Tempos de ouvir: a importância da música no isolamento

O trabalho com a musicoterapia envolve improvisação, exploração do ritmo, da melodia e harmonia dentro de uma estratégia terapêutica. Foto: Helene Santos

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Isolamento social necessário ao enfrentamento da Covid-19 estabeleceu outra realidade. Lembro da canção “The Times They Are A-Changin'”. Com ela, em 1963, Bob Dylan alertou da feroz mudança dos tempos. Segue atual.

Um recente debate cruza as fronteiras da cultura, comportamento e saúde. Em meio ao confinamento da quarentena, pode a música agir como antídoto a dias tão preocupantes? Notas, compassos, versos e sonoridades são capazes de amenizar tensões e dissipar medos?

Gigantes da indústria fonográfica consumida via streaming, Deezer e Spotify identificaram sensíveis mudanças nos hábitos dos usuários. Dados de ambas as empresas confirmam que desde o início das recomendações de isolamento, os ouvintes estão interessados em composições mais “relaxantes”. Isso inclui de faixas instrumentais a segmentos como sons da natureza e meditação.

Em Fortaleza, equilibrar o novo cotidiano com bons sons é possível. “A música tem sido meu respiro diário em meio a tanta informação e ansiedade”, divide Cecília Baima. Logo que a recomendação “ficar em casa” foi acionada, a empresária tratou de organizar a playlist “cafuné”. O intuito foi esse mesmo. Imaginar uma demonstração de afeto físico em uma época na qual se evita o toque.

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Nas caixas de som estão presentes Caetano Veloso, Gil, Marina Lima, entre outras crias que “acalmam”. “Na música, muitas vezes, consigo encontrar palavras para o que eu não consigo descrever”, reflete.

Conteúdos musicais são contínuos no dia a dia da relações públicas Clarissa Jereissati. Em 2019, quando a pandemia hoje instalada era algo distante, coisa de ficção científica, os laços musicais foram ainda mais estreitados. A cearense adquiriu um violão e começou a praticar sozinha, estudando por vídeos de YouTube. Hoje, contra a Covid-19 toda animação é bem-vinda.

“Neste momento que já é difícil, tenho tido mais vontade de músicas animadas, com astral bom, que remetam a temas diversos e me façam dançar enquanto estou cozinhando ou fazendo faxina. Não quero escutar temas tristes ou muito cheias de sensibilidade, quiçá ritmos mais lentos ou melancólicos. Prefiro animar”, assume.

Recomendações

O médico Ticiano Sampaio colabora com o debate. “Enfrentamos um tempo em que as aglomerações estão contraindicadas e a alegria está escassa, mas é preciso de firmeza”. A recomendação possui um olhar embasado por duas paixões. Além do cotidiano hospitalar, totalmente alterado pela pandemia, o entrevistado gosta de tirar um som nas horas vagas.

O convívio com a arte musical com os amigos músicos tem sido fundamental neste momento. “Recomendo que façam o que estou fazendo, mantenham o contato com a boa música, porque é importante colocar alguma beleza nesse cotidiano que ficou mais árido, e também reparar no exemplo de muita gente boa que está por trás da música, se reinventando, dando exemplo”, citou o médico.

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Lembranças

Cada depoimento revelou diferentes posturas de lidar com o instante apreensivo. O educador musical e musicoterapeuta Rodrigo Félix observa que cada um de nós reafirma vivências musicais próprias. A busca de relaxamento pela música obedece a lembranças pessoais. Cada pessoa tem uma reação individual com a música.

Félix cita o que na musicoterapia é chamado de “Princípio de ISO”. É a identidade sonora de cada sujeito. “Ela é construída do período uterino até o dia da morte. Uma música que tem efeitos positivos em mim e seja agradável, necessariamente não terá o mesmo efeito em outras pessoas. Temos outras experiências de vida”, orienta.

O fenômeno musical, assevera, guarda a capacidade de alterar o estado de humor. Ter alguma preferência nessa arte e saber utilizar essa qualidade é positivo. Gera um aliado contra o estresse emocional. Com experiência e atuação em escolas de Fortaleza desde 2005, Félix argumenta que, mesmo neste momento de incerteza e dificuldades, é possível extrair algo benéfico.

O isolamento modificou a dinâmica diária das famílias. Mães e pais passaram a ter um contato mais contínuo com a criançada. A hora, reflete Félix, pode ser saudável na proposta de edificar laços afetivos poderosos. “É um momento ímpar de criar um momento de família com a música”, aconselha.

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Família

O casal Marcus Sucupira e Mariana Vasconcelos defende a estratégia da música enquanto uma ferramenta de desenvolvimento infantil. Quem ganha com tanto amor é o pequeno Miguel.

“Pouco completou dois anos e já escutou de baladas do Eagles a hits dançantes do A-Há”, descontrai o pai coruja.

Brinquedos musicais, como um tambor e uma réplica de violão marcam presença. “Estamos sempre cantando para ele. Eu crio rimas simples, de improviso mesmo, na hora de dar banho. Cantamos as músicas dele, para que ele complete a frase, caso clássico de “Marcha soldado, cabeça de….”, descreve Marcus.

Devido à quarentena, as atividades financeiras da família estão temporariamente paradas. Trata-se de uma situação totalmente nova ao trio. É uma época difícil, mas a experiência permitida pelo contato consegue ser mais generosa. “Com o pai e a mãe o dia todo em casa, ele está numa alegria imensa”, afirma o pai.

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Enfrentamento

O depoimento é de outra autoridade quando o assunto envolve música e saúde. “Quando pensamos a situação de pandemia, o primeiro impacto é que independentemente de estarmos ou não de quarentena, cresce o temor, incerteza e insegurança diante de algo tão novo. Pelo menos, para a nossa geração”, defende o musicoterapeuta e vice-presidente da União Brasileira das Associações de Musicoterapia (Ubam), Glairton Santiago.

Indicada no tratamento, prevenção e promoção da saúde individual ou coletiva, a musicoterapia concentra esforços em áreas de atuação clínica, hospitalar, educacional e organizacional. Atua em processos de neuroreabilitação, desenvolvimento da comunicação verbal, das habilidades cognitivas e reabilitação motora.

A musicoterapia, adverte Santiago, vai além do uso de uma música pronta ou uma composição. Envolve improvisação, exploração do ritmo, da melodia e harmonia dentro de uma estratégia terapêutica.

“Propiciar uma interação mais lúcida, lidar com algo que dá prazer para desencadear hormônios de bem-estar. Organizar a rotina, ressignificar a forma de se relacionar com as pessoas. Administrar as tensões. Não sabemos quanto tempo a pandemia vai durar e nem a dimensão desses impactos”, conclui Glairton Santiago.

Legenda: Indicada no tratamento, prevenção e promoção da saúde individual ou coletiva, a musicoterapia concentra esforços em áreas de atuação clínica, hospitalar, educacional e organizacional
Foto: Helene Santos

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