CORONAVíRUS: “A CULTURA VAI PRECISAR DE SOCORRO DO GOVERNO PARA SOBREVIVER”, DIZ ESPECIALISTA

Luiz Gustavo Barbosa, pesquisador da FGV Projetos, alerta que o segmento necessita de medidas específicas para enfrentar os impactos econômicos e se reerguer depois que a pandemia estiver sob controle

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Com o fechamento de salas de cinema e a suspensão de eventos culturais, como shows e peças, Brasil afora, além de editoras adiando lançamentos de livros, a economia da cultura se aproxima da completa paralisação no país. Autor de pesquisas sobre o impacto da indústria cultural na economia brasileira, o coordenador da FGV Projetos, Luiz Gustavo Barbosa, alerta que o setor precisará de socorro do governo para sobreviver.

De acordo com o especialista, o plano anunciado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na segunda-feira é um “remédio genérico” quando, na verdade, o segmento precisa de uma “vacina” específica para não entrar em colapso. Barbosa enfatiza ainda que salvar a economia da cultura impacta diretamente em outros segmentos essenciais para o país, que vão do turismo aos transportes.

Já é possível mensurar o prejuízo do coronavírus na indústria da cultura?

Se eu apresentasse um número agora seria achismo, um chute muito grande. A gente não sabe o quanto do calendário de eventos culturais efetivamente será cancelado no país nem a estimativa de receita deles. Mas, do ponto de vista qualitativo, é devastador. A cultura vai precisar de socorro do governo.

A secretaria de Cultura de São Paulo projeta um prejuízo de até R$34,5 bilhões no estado…

É um dado razoável. Trabalhando com esse número, só para São Paulo, que é o maior mercado de cultura, podemos pensar no Rio como metade disso. Mas nós na FGV ainda não temos esses cálculos. Agora, o que é crucial é que a perda da cultura afeta diretamente outros setores da economia, como turismo, construção, arquitetura, gastronomia, transportes. Todos esses coadjuvantes do cenário cultural ampliam esse impacto negativo. E, da mesma forma, se o setor for reativado, vão amplificar os resultados econômicos positivos.

Como pode vir esse socorro para a cultura?

Basicamente por meio de linhas de crédito e incentivos fiscais para empresas e produtores culturais. E diluir o pagamento dessas concessões ao longo do tempo. O setor vai precisar de um tratamento diferenciado do governo. Se isso não acontecer, há o risco de nem grandes produtores sobreviverem. E aí a retomada vai ser muito mais difícil. A linha de crédito é importante pois vários promotores de eventos culturais se comprometeram a pagar fornecedores e empregados. Sem receber e sem dinheiro para pagar, eles precisarão ter acesso a juro subsidiado, reduzido, para que consigam superar esse endividamento. Já o sobre o recolhimento de tributos é para que exista um alívio. O governo deixa temporariamente de recolher alguns tributos, adia o recolhimento. E, depois, faz a cobrança em um tempo estendido, ao longo de 24 meses por exemplo. É um setor que vai demorar a se reerguer, precisa de um período de carência para passar por essa crise. Outro ponto é que o setor vai parar, né? O que pode ser aplicado é um consentimento de férias coletivas nessas empresas.

O pacote anunciado pelo ministro Paulo Guedes contempla o segmento?

Não. Ele ajuda o setor da cultura pois estimula empresas no Simples (regime de tributário especial para micro e pequenas empresas), que são grande parte da cadeia do segmento. Mas, de resto, pega muito de tangente. Esse setor precisa de uma medida especifica. Uma solução genérica para a economia não vai conseguir de forma alguma ajudar na sua sobrevivência. É importante, mas não é suficiente. Fazendo uma analogia: não adianta dar uma aspirina pra gripe. O remédio é encontrar a vacina que se aplique no setor da cultura. Não adianta dar remédios genéricos, pois vão aliviar a dor e não vão curar.

Como o governo pode agir mais incisivamente?

Tem que se pensar em medidas de contenção. E tem que se pensar rapidamente em estratégias de reativar a economia da cultura. Vai ser um período em que o governo terá que abrir mão e ceder. Não pode ver a questão como um cabo de força, uma queda de braço. O governo é o grande sócio das empresas, e vai ter que entrar para ceder.

Pode dar exemplo de projetos para reativar a economia da cultura quando os efeitos do vírus forem controlados?

Pode por exemplo estimular um calendário cultural. O projeto Rio de Janeiro a Janeiro, que existe e já foi realizado em parceria com a FGV, fomentou um calendário de eventos de alto impacto socioeconômico para a cidade, em que empresas estatais destinaram verbas de patrocínio. Então, a curto prazo é dar esse alívio financeiro, e a médio prazo é estimular a retomada das atividades do setor.